"Já vi muitas caras mas nunca apertei nas minhas mãos um coração. Uma coisa que vive é como um mecanismo, não é? É, só que se mexe sozinho, o que o torna impossível e mete muito medo. ...
Só tu me fazes dizer as coisas que te digo. Estou à tua espera. Quando chegares vou-te morder
devagarinho. Só até fazer doer. Agora, para que o tempo passe, vou escrever o que passa pela minha cabeça. É então assim.
Eu sou um menino, tu uma menina. Um menino é em tudo diferente de uma menina e em tudo
semelhante. Isto é a primeira complicação. Como todas as outras derivam desta e resumem-se
não vale a pena perder tempo com complicações.
Restam as coisas simples. São as mais belas. Por exemplo, o haver uma pessoa que goste de outra. Isto é o mais belo de tudo o que há no mundo por mais que se procure por todo o lado. O que é que quer dizer uma menina gostar de um menino ou um menino gostar de uma menina? Quer dizer: fazerem tudo um pelo outro. O tudo é que pode ser maior ou mais pequenino. E o que quer dizer um menino gostar de uma menina que também gosta desse menino? Isso é o fim do mundo.
De vez em quando, muito de vez em quando, há um fim do mundo. O mais engraçado é que ninguém nota. O menos engraçado é que ninguém aprende. Isto é: ninguém sabe nem como começa nem como acaba, nem como se repete. Para dizer a verdade nem se sabe como dura um fim do mundo em que duas pessoas podem fazer tudo, são tudo, sem mais ninguém. Não está bem.
É por isso que há os amigos. Os amigos sobrevivem aos fins do mundo. Este é o único critério. A
amizade é tão bonita como o amor e tem a obrigação de durar mais tempo. Por aqui se vê que
o tempo é muito importante.
…
A vida não é assim uma sucessão de pequenos fins mas sim uma sucessão de pequenos milagres e não digo mais nada até tu chegares para te começar a morder. Só, só até doer. Só tu me fazes fazer as coisas que faço."
Pedro Paixão in Viver todos os dias cansa
terça-feira, maio 02, 2006
Mexe-se sozinho e mete muito medo...
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