sexta-feira, outubro 13, 2006

Ocorrência!

Quis a sorte – ou, por outra, o enorme azar de um abcesso num dente – que eu fosse confrontada, mais uma vez, com um médico recém licenciado, desta vez com uma Senhora Doutora Odontologista, cuja a aparência era a de não ter mais do que 26/27 aninhos…

Entrei no consultório e, depois de olhar para a minha ficha (previamente preenchida pela assistente), pergunta-me ela assim: - Então a Isabel, de que é que se queixa? Fiquei um momento na dúvida entre ficar aborrecida com as “confianças” ou ficar lisonjeada por ela me considerar da idade dela, ou seja, 10 anitos mais nova… Preferi optar pela segunda hipótese e contei-lhe o que se passava: uma fortíssima dor de dentes, que não me tinha deixado dormir. Mandou-me sentar e, assim que me apanhou de boca aberta, toca de martelar em todos os dentes para saber se me doía. Como teve pouca sorte e começou pelo lado errado, eu tive de a interromper a meio e dizer-lhe que a dor era no lado oposto. Olhou então na direcção certa e, depois de fazer um exame rigoroso, proferiu o diagnóstico, preciso, rigoroso e inabalável: “Trata-se aqui de uma ocorrência dentária.” Ah, pois é!!!! Quando se utiliza terminologia específica e a gíria adequada, tudo fica muito mais claro!

Depois de detectado e correctamente identificado o problema, avisou-me de que iria fazer um Raio-X para tentar perceber a origem da referida ocorrência dentária. E assim foi! Fez-se o Raio-X e, mais uma vez, o diagnóstico não tardou, objectivo e conciso: “Os dentes não têm nada. O que a Isabel tem é um episódio gengival.” Estava eu ainda de boca aberta (desta vez, de espanto!), esmagada pela infalibilidade do veredicto, e já ela sacava dos autocolantes cor-de-rosa e do bloco das receitas, onde começou então a medicar: “Vai fazer o Clavamox durante 8 dias, Brufen de 8 em 8 horas, Ben-u-Ron também de 8 em 8 horas, e o Clonix 2 vezes por dia, em SOS. Do Clonix é que não convém realmente passar das 2 vezes/dia, porque é muito forte.” Desmoralizei… Senti-me a pia de despejo dos remédios fora-de-prazo do hospital de Sta. Maria… Para fim de consulta, e porque já estava perfeitamente esclarecida quanto ao mal que me atormentava a boca, perguntei apenas qual era a causa da inflamação na gengiva, ao que a Sra. Doutora respondeu que o próximo passo, caso o abcesso não passasse com a avalanche de remédios que ela me prescreveu, seria a “desvitalização do dente, e até eventualmente a extracção”. Porque é que se vai arrancar um dente são? Isso já não perguntei, não fosse ela responder-me que “uma ocorrência dentária dá geralmente lugar à extracção de dentes sãos, haja ou não um episódio gengival associado”….

E pronto! Depois de pagar a bonita quantia de 37€, que me custaram mais a dar do que me teria custado a efectiva “extracção” do dente, lá me retirei do consultório e fui para casa.

Ficam então aqui os ensinamentos que retirei desta sessão de consultório:

1. Primeiro há a “ocorrência”, ou seja, a classificação do problema. Assim, se for uma dor num dente, a ocorrência é dentária; se for uma dor de barriga, é uma ocorrência gastro-intestinal; e se for falta de tusa, será uma ocorrência urológica.
Parece-me que, até aqui, não há dúvidas…

2. Dentro da ocorrência há então o “episódio”, ou seja, a origem ou causa do mal. Retomando os exemplos anteriores, a ocorrência dentária era devida a um episódio gengival, como a ocorrência gastro-intestinal poderá ser originada por um episódio gástrico, hepático, ou até anal/rectal; e como a ocorrência urológica poderá ser causa por um episódio testicular ou, talvez até, “penal” (de “pene”….)

Parece fácil, não? Então, e as sub-divisões?! Imaginemos que a dor de barriga se deve a gases no intestino. Não há dúvida que se trata de uma ocorrência gastro-intestinal, e que se trata de um incómodo causado por um episódio intestinal. Mas, e a parte dos gases, como é que se define? Eu chamar-lhe-ia um “apontamento”, neste caso “gasoso”. Ficava assim:

“O que o senhor apresenta é uma ocorrência gastro-intestinal, provocada por um episódio também ele intestinal, o qual é causado por um apontamento gasoso.” Eu, pessoalmente, acho que fica bonito, mas enfim, aceitam-se outras sugestões….

Não hão-de os médicos andar 6 anos na faculdade…!!!!
Isabel Palma

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